domingo, 17 de abril de 2016

Mais proteção



Teste indica eficácia de vacina contra dengue



Vacina em forma liofilizada está sendo produzida pelo Butantan para ensaio clínico
A vacina contra dengue que está sendo produzida e testada pelo Instituto Butantan, em São Paulo, se mostrou eficaz em teste preliminar nos Estados Unidos, de acordo com artigo publicado nesta quarta (16/3) na revista Science Translational Medicine. “O teste mostra que a vacina funciona bem com uma dose só e que protege contra o vírus vivo”, diz o imunologista Jorge Kalil, diretor do Instituto Butantan.

A vacina foi desenvolvida pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), nos Estados Unidos, e no Brasil é produzida pelo Butantan. O estudo, liderado por Anna Durbin, da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, recrutou 48 voluntários dos quais metade foi vacinada e metade recebeu placebo. Seis meses depois, todos eles foram expostos a uma versão semi-atenuada do sorotipo 2 do vírus da dengue, um teste conhecido como ensaio de desafio (a injeção com o vírus é o desafio à imunização), com resultados marcantes. Nenhum dos vacinados apresentou sintomas, enquanto todos os que receberam placebo apresentaram o vírus circulante na corrente sanguínea. Os sintomas não foram fortes graças à manipulação feita no vírus, mas 80% dos integrantes desse segundo grupo apresentaram placas vermelhas na pele e 20% tiveram uma queda temporária no número de glóbulos brancos, sintomas comuns da doença.

“Os resultados de nosso estudo de desafio ajudaram a informar o Butantan qual formulação da vacina deveria ser usada na fase 3 de testes”, disse Anna Durbin na conferência de imprensa organizada pela Associação Americana pelo Progresso da Ciência no dia 15/3. Kalil reitera que o Butantan trabalha em colaboração com o grupo norte-americano e conta que a fase 3 do teste clínico, iniciada em fevereiro, ainda está no estágio inicial. “Estamos registrando centros, fazendo o treinamento das equipes para testar a vacina em 17 mil pessoas.”

KIRKPATRICK, B. D. et al. The live attenuated dengue vaccine TV003 elicits complete protection against dengue in a human challenge modelScience Translational Medicine, v. 8, n. 330, 330ra36. 16 mar 2016.

domingo, 10 de abril de 2016

Cura, sempre importante



Uma forma de conter parasitas

Revista Pesquisa FAPESP
Podcast: Ricardo Gazzinelli

 

Quando o sistema de defesa humano é avisado de uma infecção por parasitas, como os causadores da doença de Chagas, da leishmaniose e da toxoplasmose, uma operação altamente eficiente impede que os microrganismos se disseminem dentro das células e se espalhem pelo organismo. O mecanismo de ataque a esses parasitas intracelulares acaba de ser desvendado, de acordo com artigo publicado em janeiro no site da revista Nature Medicine. “Esse conhecimento pode nos ajudar a pensar em vacinas mais eficientes na indução dos linfócitos do tipo TCD8, um problema em imunologia”, diz o imunologista Ricardo Gazzinelli, do Centro de Pesquisas René Rachou, braço da Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais, e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas (INCTV). 

É sabido que os linfócitos citotóxicos detectam e combatem os patógenos que residem nas células, enquanto os anticorpos vigiam o ambiente fora delas. Mas até agora não se sabia bem como os linfócitos TCD8 atuavam no combate a protozoários e bactérias. “É importante contra vírus”, explica Gazzinelli, “porque destrói a célula infectada da qual eles dependem para se proliferar”. Ocorre que as bactérias e os parasitas são organismos autônomos e, se liberados no meio extracelular, uma vez morta a célula hospedeira, estão aptos a infectar outras células. Especialista nas relações entre o sistema imunológico humano e os parasitas causadores de doenças (ver Pesquisa FAPESP s 160, 164 e 221), o pesquisador mineiro passou o ano acadêmico de 2013/2014 nos Estados Unidos, graças a uma bolsa de professor visitante na cátedra Capes/Centro David Rockefeller para Estudos Latino-americanos da Universidade Harvard, para a qual foi selecionado. Logo no início, depois de apresentar seu trabalho numa palestra, foi procurado pela física e médica Judy Lieberman, cujo laboratório investiga os mecanismos moleculares pelos quais os linfócitos citotóxicos destroem células infectadas com vírus e bactérias. “Será que funciona da mesma maneira para protozoários?”, ela perguntou.

Começou aí a parceria dinâmica que também envolveu o médico Farokh Dotiwala, do laboratório de Judy, e o biólogo Rafael Polidoro, à época estudante de doutorado que acompanhou Gazzinelli a Harvard. O primeiro resultado foi a descrição do mecanismo destruidor de parasitas intracelulares: a microptose. O termo é inspirado na apoptose, a morte celular, por serem aparentemente muito semelhantes: formam-se bolhas na membrana celular, as mitocôndrias ficam dilatadas, o DNA é danificado e a cromatina, que contém o material genético, aparece condensada. O que diferencia as duas mortes são os atores. No caso da apoptose, os linfócitos reconhecem as células infectadas por meio de marcadores apresentados pelo sistema de defesa e liberam minúsculas bolsas, ou grânulos, contendo uma proteína que faz furos na membrana, a perforina, e uma enzima chamada graenzima. Esta entra na célula e degrada proteínas relevantes para a homeostase, levando à morte celular.

 
Gazzinelli, Judy e colaboradores mostraram que os linfócitos TCD8 humanos (mas não os de roedores) liberam também uma substância antimicrobiana chamada granulisina, que entra na célula infectada e é atraída por membranas com baixo teor de colesterol: a dos parasitas. A granulisina perfura a membrana dos parasitas e bactérias invasores e permite a entrada da graenzima, que gera compostos muito reativos à base de oxigênio (os radicais livres) e desativa os mecanismos de defesa do microrganismo contra o estresse oxidativo. São esses processos oxidativos que, na maioria das vezes, eliminam o parasita. Quando se examina esse ataque ao microscópio, a aparência é muito semelhante à da apoptose. Mas distinções químicas inerentes ao organismo – a apoptose depende de enzimas chamadas caspases, que não existem nos protozoários – e os atores distintos (granulisina e microrganismos) justificaram a criação do novo termo, microptose.

Eficiência
“Uma coisa surpreendente é que a morte dos parasitas é mais rápida que a da célula hospedeira, embora seja desencadeada depois”, comenta Gazzinelli. Isso impede que os protozoários escapem e invadam outras células, uma situação que precisaria ser combatida pelo sistema imunológico por meio de macrófagos patrulhando o meio entre as células e devorando os invasores. Era o que, até agora, se imaginava que acontecia. “Isso explica por que os TCD8 são tão eficientes no combate às infecções por protozoários intracelulares”, conclui o pesquisador. Pode ser por isso que muitos casos de doença de Chagas, por exemplo, são assintomáticos.

Também é importante a descoberta de que a granulisina não existe em todas as espécies. “A utilidade de fazer estudos de certas doenças usando camundongos tem que ser revista”, alerta Gazzinelli, embora não os descarte como cobaias. Seu grupo reiterou a descoberta produzindo roedores transgênicos capazes de expressar a proteína, e eles se mostraram muito mais resistentes a infecções por protozoários.

Frutífera, a parceria entre os grupos de Minas Gerais e de Harvard deve continuar nos próximos anos. “Pretendemos dissecar o papel dos linfócitos TCD8 no combate a essas infecções”, explica Gazzinelli. “Por que nem sempre funciona? Por que existem pacientes que desenvolvem a doença de Chagas?” Nesse contexto, Rafael Polidoro defendeu sua tese em 2014 e no ano seguinte se mudou para o laboratório de Judy Lieberman, para um estágio de pós-doutorado.

No contexto das vacinas, o pesquisador mineiro também pretende rever os testes de uma vacina terapêutica contra a doença de Chagas proposta em 2015 a partir de um estudo publicado na PLoS Pathogens, liderado pelos imunologistas Joseli Lannes-Vieira, da Fundação Oswaldo Cruz, e Maurício Rodrigues, professor da Universidade Federal de São Paulo falecido no ano passado que compartilhava a coordenação do INCTV. “Queremos usar a vacina nos camundongos transgênicos expressando granulisina para ver se é mais eficiente”, conta Gazzinelli.


Artigos científicos
DOTI WALA, F. et al. Killer lymphocytes use granulysin, perforin and granzymes to kill intracellular parasites
. Nature Medicine. on-line. 11 jan. 2016.
PEREIRA, I. R. et al.
A human type 5 adenovirus-based Trypanosoma cruzi therapeutic vaccine re-programs immune response and reverses chronic cardiomyopathy. PLoS Pathogens. v. 11, n. 1, e1004594. 24 jan. 2015.